quinta-feira, 24 de maio de 2012

Apenas Um Erro.


Reconheceu-o ali, quando o quase desapego de quem tem tão pouco a perder libertou da mão o filhinho aos seus próprios desejos, munindo-o de uma nota de mínimo valor para uns pouquíssimos doces.
Ela discursava à respeito da rigidez da vida ao proletariado, tendo sua história como seu próprio exemplo de infortúnio, e deixava esquecido o cambaleante que agora cruzava os limiares do estabelecimento.
Era apenas o fruto de um dos tantos relacionamentos extraconjugais, dos quais a sorte ruim fizera germinar, apesar de seus cuidados, suas insistências e protestos posteriores!
Por outro lado, sentiu se bem confortável com sua inexpressividade cromossômica quanto às formas de sua prole.
Nunca percebera semelhança alguma consigo da criançada, e aquele só pudera ser notado pelo afeto descuidado do antigo caso, e talvez por um ou outro trejeito herdado da mulher.
Quando os passos miúdos o levaram para bem junto do balcão alçou-se sobre seus calcanhares, e entregou a nota.
Apontou o chocolate, mas o dinheiro não bastava, e, por um momento vacilou entristecido pela carência da criança.
Olhou-o ali um instante inteiro, estendido em todo seu comprimento à espera da guloseima, e pôde sentir a paternidade se revolver sobre sua indiferença.
O choro sempre é coisa difícil de se conter!
Tomou duas barras e algumas balas para a caridade e as agasalhou em uma sacolinha de papel pardo, contornou o balcão e apertou o filho em um abraço confuso. Depositou uma nota graúda, puxada das boas vendas do dia no bolso raso do shortinho encardido, e o despediu esperando que o presente só fosse descoberto longe de seu ambiente!
Quanto o ônibus recolheu mãe e filho corpo tremia um pouco, e a cabeça anuviada pedia descanso.
Cerrou as portas da mercearia esperando nunca mais encontrar um de seus erros.

Anderson Dias Cardoso.
                              

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