domingo, 12 de maio de 2013

De Como Nos Acostumamos...


O barraco distante com uma única e esburacada via de acesso, afogado em um matagal acinzentado, mas com algumas mangueiras, que ao seu tempo pendiam pesadas de frutas seus infinitos galhos.
Diziam pra nunca se comer delas; eram fertilizadas por morte!
Havia cisma em deixar o pequeno, mas o salário de passadeira era o complemento da responsabilidade paterna que a remunerava pelo já comum epíteto de mãe solteira!
A criança se virava bem com os pacotes de biscoito, e os saquinhos de refresco pré adoçados, mas o que cobiçava mesmo eram as frutas rosadas que deixavam seu aroma doce ser soprado por qualquer brisa.
Então a criança arrastava a enferrujada cadeira de boteco, e trepava-a para empurrar a janela.
Vez em quando havia ruídos de carro, gritos e algumas pessoas dizendo palavras das quais a mãe o repreendia quando as repetia!
Logo, e quase sempre os homens que traziam os sons carregavam estalinhos, soltavam alguns, mas nunca podia ver nada além aquelas copas carregadas !
Vez em quando faziam uma fogueira de pneus, e uma fumaça preta e densa dançava conforme o vento, de qualquer forma se esgueirando pelas frestas e o obrigando a respirar através de uma toalha molhada.
Sempre haviam gritos!
Algumas vezes a curiosidade foi forte, e ele contrariou as proibições da mãe, e partiu para ver o que acontecia... E recolher algumas mangas!
E no chão sombreado do lugar encontrava vários ossinhos meio queimados, às vezes um cheiro nauseabundo de animal morto!Mas ele se sentava à recolher algumas pecinhas como souvenires enquanto lambuzava sua boca de fruta!
Já crescidinho descobriu o primeiro corpo. Estava inchado e, meio carcomido por um exército de rebolantes larvas, e era assim como nos filmes, menos quanto ao forte cheiro. Vomitou um pouco antes de capturar algumas criaturinhas, e tentar as colocar em combate, como costumava a fazer com formigas!
Aos dez freqüentava os lugares estratégicos, e a TV já lho ensinara o que era execução.
Apostava consigo mesmo se o próximo seria tiro, pauladas, incineração; e os aguardavam com a pueril ansiedade de sempre!
Quando um dia o descobriram, o ameaçaram, mas ele sempre voltava à cena; e logo resolveram o permitir assistir como convidado!
Era tudo como na TV. Só que com mangas tudo era mais delicioso!



 Anderson Dias Cardoso.

Um comentário:

Célia disse...

E quantas crianças em nosso país assistem cenas assim? Acredito que muitas e acabam assimilando-as como algo natural!
Abraços, amigo! obrigada pelo comentário no meu humilde texto! Rsrs..pois é como vc observou: coração calmo, textos calmos! abraço!

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